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sexta-feira, abril 16, 2004

O Culto dos Mortos 

O sentimento da perda é algo recente. Há séculos era um par de mãos e um torso a menos na caminhada pela sobrevivência, agora é uma amarra ao mundo que se solta.
A vida, disse muita gente, começa não aos 40, mas quando se perdem os pais. A suprema ligação ao mundo do antes com o mundo presente, que deixa sem direcção aqueles que deles dependeram para se guiar, tenham eles 10 ou 50 anos. Fosse o apoio real ou já meramente simbólico, os pais são garantia de segurança e conforto.
A sua perda é deveras sentida...
Mas não é estranho dar conta que para os que acreditam na vida além, a morte seja digna de lágrimas, se o que os espera é de facto a vida melhor? E para os que não acreditam, que a morte fosse uma certeza inescapável para a qual se deviam preparar todos os dias? Não será essa a lógica dos que não acreditam numa pós-vida? Viver o dia pelo dia? Carpe diem?
Facto facto é que a morte é um fim, não vários.
Que maior respeito devemos nós prestar aos mortos senão honrar a vida? Não será certamente postrarmo-nos à morte também por poucos dias que seja, chorando o sofrimento daqueles que já não podem sentir dor, aterrorizados pelo Nada de que nada sabemos.

E que dizer dos amigos que se separam, das famílias que se separam e se reunem para chorar os mortos? Que ligação senão histórica e genética mantinham eles com os defuntos? Aqui a ver está o sentimento de culpa pelo não aproveitar dos derradeiros momentos daquela pessoa, os últimos sorrisos, mas se assim é, somos idiotas! Usamos aquela pessoa, mesmo que já morta, para expiar os nossos arrependimentos num último encontro sem qualquer glória, sem qualquer homenagem digna do nome, sem coisa alguma senão... cara lavada. Estive lá, disse adeus... um adeus repetido, não diferente, decerto não superior ao adeus de há tanto tempo, sem sentimento de esperança, sem a ansiedade de um novo reencontro.
Não sabemos o que temos até o perdermos. Não sabemos que gostamos de qualquer coisa até a deixarmos de ter. Inventamos ou ressuscitamos grandes feitos para uma pessoa de outra maneira tediosa, de facto... MORTA para nós. Desinteressante. Sem apelo. Sem vida.
Como se atrevem a chorá-lo então? Não será antes um insulto a sua presença à volta da cova? Um tomar de certezas que realmente terminou o fim que lhe ditaram?
Não nos deixemos arrastar para isso... não deixemos palavras no ar... amar ou odiar nunca calar...
E quando chegar o fim... guardar as imagens e enterrar o morto, não permitir que se torne significado de dor quem tanta consideração nos mereceu.
Vivam os mortos? Vivam os vivos!

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