Meditações de Fim de Mundo

Nunca perdoaria um aborto na minha família, muito menos o aborto de um filho meu.
Vou votar "Sim" à legalização do aborto porque por muito que me revolte e enoje, não tenho o direito de decidir por outras pessoas. Pode argumentar-se que a outra pessoa, mesmo sendo mãe, não tem direito a decidir pelo bebé se deve ou não nascer e não o querendo, que o dê para adopção. Mas o acto do nascimento soa-me a mim tão nobre e divino, que uma mãe disposta a matar o seu fruto não merece dar à luz um filho que merece nascer... esta confusão de sentidos divide-nos. E não é por acaso.
Ao dar liberdade para o aborto, cortamos a liberdade a um ser humano.
Ao cortar a liberdade para o aborto, damos liberdade a um ser humano.
Parece uma fila... a mãe como cá estava primeiro tem primazia.
Votar "sim" deixa-me triste comigo mesmo, desiludo-me ao tomar parte numa decisão legislativa que dá autoridade a uma mãe de matar o seu filho. Uma mãe que mata o seu filho saudável. A minha mãe matar-me a mim na minha hora mais vulnerável. É chocante.
Mas controlar, intervir numa relação absolutamente mágica como é a da criadora e da criação é sujar a perfeição. Um aborto é nada menos que trágico, mas ninguém senão os meus filhos irão nascer porque eu entendo que nasçam, recuso-me a tomar um lugar entre estas duas pessoas ainda que a risco de matar um ser humano.
Uma mãe que mata um filho não merece a própria, tão pouco merece a do filho.
As condições mitigantes não me sensibilizam, os contraceptivos são grátis ainda que falível e há organizações que os recebem depois de nascidos.
Por humilde mim dou-vos esse poder, mas mato-vos juntos.